A primeira igreja de São Bento pode ter sido outra

Em princípios de 1876, o pároco Carlos Boergershausen, de Joinville, teria enviado uma carta aos moradores do centro de São Bento pedindo que construíssem uma igreja católica até o começo de março, quando visitaria a Colônia. Os moradores trataram então de erguer uma pequena capela, bastante pequena e rústica, em terreno cedido pela Cia. Colonizadora.  A construção foi concluída em tempo, e no dia 8 de março o padre Carlos celebraria nessa primeira capela aquela que é tida como a primeira missa de São Bento. Essa é a história da maneira como ela foi contada pelo imigrante Josef Zipperer, em suas memórias publicadas na obra “São Bento no Passado”.

A primeira capela do centro de São Bento pode ser observada aos fundos da imagem, na parte de cima. A casa da frente pertencia ao sapateiro Friedrich Fendrich. Se a data de 1880 estiver correta, o lugar não era mais usado como capela.

A pequena capela, no entanto, talvez não tenha sido a primeira igreja católica na história de São Bento.

O próprio Zipperer menciona em suas memórias a existência de uma capela semelhante construída por poloneses na Estrada Wunderwald, sem detalhar qualquer aspecto da sua história. Alexandre Pfeiffer, em seu livro sobre a comunidade católica na cidade, reconhece esta capela, na esquina com Estrada Bismarck, e diz que foi benzida pelo frei Henrique Matz, também de Joinville, no mesmo dia em que o padre Carlos benzeu a capela do centro de São Bento. O historiador Carlos Ficker não chega a citar a capela construída pelos poloneses.

Nenhum desses autores, no entanto, consultou os registros de batismo e casamento da época, fontes capazes de ajudar a entender melhor esses e tantos outros aspectos da história de São Bento.

Através deles, podemos comprovar: a vinda do padre Carlos, acompanhado do frei Henrique, ocorreu efetivamente em março de 1876 . Em quais dias, não temos certeza. Zipperer afirma que a primeira missa no lugar aconteceu no dia 8 de março. Pelos registros de batismo, podemos afirmar o seguinte:

– Nos dias 11 e 12 (sábado e domingo), o Padre Carlos batizou 13 crianças e o Frei Henrique batizou 14 na Capela do Santíssimo Coração de Jesus. Este era o nome da capela erguida pelos poloneses na Estrada Wunderwald. Além de poloneses, também foram batizadas crianças filhas de brasileiros, que não moravam na Wunderwald.

– Só então, na terça-feira (14/03), o padre Carlos começou a batizar crianças na capela da sede de São Bento, erguida provisoriamente pelos colonos, conforme o relato de Zipperer. Ao contrário da capela dos poloneses, esta no centro da Colônia ainda não tinha nome, a ponto do padre chamá-la apenas de “capela provisória da sede“. Nela, o padre Carlos fez todos os batizados realizados neste dia e no dia seguinte (15), totalizando 13 crianças.

– Um dia depois (16/03), frei Henrique batizou 3 crianças na capela da Estrada Wunderwald, e o padre Carlos batizou mais uma no dia 17. Neste dia ele já estava se preparando para voltar. Tanto que em seguida deu uma passada na Ermida de Campo Alegre e lá batizou mais duas crianças. Voltou em seguida para Joinville.

Dessas observações, é possível tirar algumas hipóteses: a capela da Estrada Wunderwald pode ser anterior à capela da sede de São Bento. A hipótese se sustenta não apenas por lá terem sido feito mais batizados nessa primeira vinda do padre, mas também por já se encontrar com um nome devocional definido (Santíssimo Coração de Jesus), ao contrário do que acontecia com a capela da sede, em que era destacada a sua condição provisória (Josef Zipperer afirma que esta capela da sede foi devotada ao Sagrado Coração de Jesus, o que não parece verdadeiro). Talvez os poloneses tenham se organizado algum tempo antes a construção de uma capela que, a exemplo da sede, também não devia ser nenhum primor. Naquele ano de 1876, no entanto, era nela que aconteciam a maioria dos eventos.

Nessa primeira vinda do padre Carlos, não foi celebrado nenhum casamento. Eles aconteceriam apenas na vinda seguinte, em agosto. É tradição que o primeiro casamento ocorrido em São Bento foi o de Benedikt Bail e Anna Maria Neppel, tendo sido essa história contada e descrita muitas vezes ao longo do ano. Este casamento aconteceu na capela da sede de São Bento, agora já batizada de  Santíssimo Coração de Maria, aos 08.08.1876 e foi, de fato, o primeiro casamento realizado nela. Mas não foi o primeiro casamento de São Bento. Isto porque entre os dias 04 e 06 de agosto o padre Carlos esteve realizando casamentos na capela da Estrada Wunderwald. Foram cinco casamentos, sendo quatro de brasileiros e um de poloneses.

Pode-se reivindicar que o casamento de Benedikt Bail foi o primeiro da sede e o primeiro boêmio/bávaro da cidade, mas a existência de registros anteriores em outra capela impede que seja considerado o primeiro casamento de São Bento.

Mas o que aconteceu com essa capela da Estrada Wunderwald para que tenha sido esquecida totalmente na história de São Bento? Tudo indica que sua existência não chegou ao ano de 1878. Os últimos registros de batismo ocorridos na capela são de novembro de 1877. De 1878 em diante, os batizados de São Bento se concentraram na capela da sede, com vários moradores da Estrada Wunderwald indo até ela para batizar os seus filhos.

Contribuíram para o esquecimento desta capela o fato de não estar localizada na região central da cidade e também não ter tido um cronista como Josef Zipperer que lhe escrevesse a história. As poucas informações que se tem sobre ela, no entanto, já são suficientes para situá-la com importância na história da cidade. Quem sabe futuramente novos documentos tragam mais detalhes sobre a capela que, como dito, durou ao menos entre os anos de 1876-1877.

Não temos informações também sobre outras capelas da região, que podem inclusive ser anteriores à capela da Estrada Wunderwald. A Ermida de Campo Alegre, por exemplo, também já existia em março de 1876. No ano seguinte, o padre Carlos começou a realizar celebrações também na capela de Santo Antônio, em Avenquinha. Também em 1877, vários batizados foram feitos na casa do cidadão Francisco Simões da Silva, no Rio Negro.

São informações importantes que ajudam a rever informações até então tidas como absolutas em nosso passado.