Um vilão na história de São Bento – Parte I

A história do polêmico Capitão Joaquim da Silva Dias, acusado de mandar matar o presidente da Câmara Alberto Malschitzky 

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Onze horas da noite de uma sexta-feira e o Capitão Joaquim da Silva Dias, coletor federal de Campo Alegre, foi levado do Hotel Linke e preso na sala da Câmara Municipal de São Bento – não podia ir para uma prisão comum porque era capitão honorário do Exército. E lá ficou, sob a guarda de paisanos. O comandante de sua escolta foi Carlos Urban, presidente do Conselho, a quem Joaquim não poupava xingamentos: “Veio em tal estado de embriaguez que vomitou toda essa sala. É dessa laia o pessoal da Câmara”.

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Vendo-se preso naquilo que chamava de “sala de ladrões”, Joaquim tratou de se vingar como podia – ou seja, escrevendo a sua revolta na mesa das sessões. Dizia-se vítima de uma infâmia movida pelo dedo oculto de Manoel Tavares “e outros bandidos”, entre eles Manoel Adeodato de Souza Júnior, juiz de Direito da Comarca, e o dr. Philipp Maria Wolff, “perfeito idiota que faz horror à água”.  E a isso se seguia o que o jornal Legalidade chamou de “alusões imorais”, e que por isso deixou de transcrever.
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Era o dia 22 de julho de 1898. A prisão foi resultado de uma suspeita que há alguns meses caia sobre Joaquim – a de ser o mandante do assassinato de Albert Malschitzky, presidente da Câmara de São Bento, ocorrido em agosto do ano anterior. E ao longo do processo, aparecem notícias de que estaria envolvido em vários outros planos de mortes na região.
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O papel de vilão de Joaquim, no entanto, não começou em São Bento, e não terminaria depois que ele deixou a cidade.
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Polêmicas em Palmeira
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Joaquim da Silva Dias nasceu no Rio de Janeiro, possivelmente no início da década de 1860. Era filho de Manoel Joaquim Dias e Josina Carolina. Em algum momento, mudou-se para a cidade de Palmeira, perto de Ponta Grossa, no Paraná. Lá trabalhou como negociante. E no dia 07 de janeiro de 1885 veio a se casar com Deolinda Pureza da Silva Guimarães, de 20 anos, nascida em Palmeira mesmo, filha de Francisco das Chagas Guimarães e Maria Rita da Silva. Aparentemente, moravam no lugar Bela Vista.
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Em outubro daquele mesmo ano, Joaquim se viu obrigado a publicar um anúncio na Gazeta Paranaense, de Curitiba, esclarecendo que um suicídio ocorrido em Santos há cerca de um mês não era o dele, mas o de um homônimo. No mesmo jornal, aos 21 de novembro de 1887, Joaquim e a esposa Deolinda agradecem aos que acompanharam a família por ocasião do falecimento de uma sobrinha chamada Maria, ocorrido dois dias antes.
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Provavelmente, Joaquim já havia iniciado sua vida militar na cidade, onde seria Capitão Comandante do 2º Esquadrão da Guarda Nacional. Aos 12 de agosto de 1890, foi nomeado professor de uma escola na localidade de Papagaios Novos, da mesma cidade. No entanto, já aos 14 de outubro daquele ano, seria transferido para a escola de Mandaçaia. No final daquele ano, Joaquim e outros eleitores de Palmeira assinariam uma lista de apoio a Vicente Machado, que concorria ao governo do Paraná.
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No dia 13 de fevereiro de 1892, tem início as polêmicas de Joaquim na imprensa paranaense. Em artigo publicado em “A República”, ele rebate acusações do Dr. Cunha Brito de que a intendência de Palmeira era analfabeta e incapaz de redigir uma ata. Defende o Partido Republicano e também esclarece que, ao contrário do que fora dito, não foram 122 os eleitores que comparecem às eleições na cidade, mas 240. E, como faria sempre em seus artigos ao longo da vida, abusa das palavras pouco lisonjeiras, chamando o seu adversário de “falsista sem mérito”, “mentiroso vulgar”, “desgraçado articulista”, entre outras.
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No mês seguinte, Joaquim seria nomeado adjunto do promotor de Palmeira. Em junho assumiria interinamente o cargo de promotor público, e em agosto assumiria o cargo oficialmente. Em alguma fase de sua vida na cidade, Joaquim chegou a ser preso preventivamente e responder a júri, aparentemente por agressão. Apesar disso, o agora promotor público não via vergonha alguma no  episódio, pois alegava ter castigado um indivíduo que ignorava “os rudimentos de respeito a honra de uma família”. Não se arrependia, e dizia que agiria do mesmo modo se acontecesse novamente. O júri o teria absolvido da acusação por unanimidade.
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Um certo Vicente Ferreira de Castro, conhecido como “Ferreirão”, era por essa época inimigo de Joaquim, e costumava sempre alardear o fato de ele ter respondido a júri. Em maio de 1893, Joaquim escreve na “República” outro artigo raivoso, rebatendo diversas acusações do Ferreirão, classificadas por ele como “um amontoado de sandices”. Joaquim acusa seu inimigo de ter poucos momentos de lucidez, devido ao alcoolismo, de ter lesado credores e de ter embolsado dinheiro ilicitamente. No seu rol de xingamentos, desta vez Joaquim usou “cão danado”, “ente leproso”, “sujo”, “imundo”, “ruim defunto” e “pútrido cadáver ambulante”
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Termina o artigo dizendo que não iria mais responder pela imprensa as acusações que o Ferreirão fizer, mas que usaria “meios mais eficazes” – está claro que falava em violências, pois a seguir lembra seu inimigo de episódios em que outras pessoas lhe deram bofetadas. Por fim, diz que quem apoia o Ferreirão é a “escória do povo palmeirense”.
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No final daquele ano e início de 1894, aconteceu a Revolução Federalista, na qual Joaquim da Silva Dias tomou parte ao lado das tropas legalistas. Como comandante do 2º Esquadrão, Joaquim teve sua atuação destacada pelo Tenente-Coronel Ottoni Ferreira Maciel, que ressaltou o valor com que se bateu à frente de poucos soldados, “afrontando a morte com sangue frio e heroísmo”, durante o combate de São Matheus do Sul, aos 15 de janeiro de 1894. A atuação garantiria a ele, em setembro, uma carta patente lhe concedendo as honras de capitão do Exército, “em atenção aos bons serviços prestados à República na Revolta”.
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Nessa época, aparece morando no lugar Papagaios Novos. No final daquele ano, Joaquim Bueno da Silva, negociante no quarteirão de Riozinhos, município de Triunfo, protesta contra atos praticados pelo Capitão Joaquim da Silva Dias, comandante de uma força de 28 homens que fazia diligência naquela cidade. “Cometeu várias violências, causando grande prejuízo”, declarou. Anunciava ainda que iria reivindicar seus direitos e conseguir a indenização dos prejuízos que sofreu.
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No dia 21 de fevereiro de 1895, Joaquim escreve artigo denunciando Pedro Ferreira Maciel (a quem havia chamado de “venerando coronel” e enchido de louvores no episódio do Ferreirão). Segundo Joaquim, Pedro Ferreira Maciel estava escravizando 15 órfãos em Papagaios Novos, sendo que algumas das crianças foram tomadas a força de seus pais. Na residência de Pedro, os órfãos sofriam horrores, eram espancados e cobertos diariamente de palavras obscenas. Joaquim pedia providência ao Superior Tribunal de Justiça. Dois meses depois, um dos próprios orfãos, já adulto, tendo fugido, reforça e faz novas denúncias de escravidão.
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Como se vê, Joaquim ora acusa e ora é acusado nos jornais paranaenses. Em novembro de 1895, um certo Braz Rio Branco utiliza a Tribuna para se defender de “gravíssimas acusações” que Joaquim da Silva Dias teria feito a seu respeito ao comissário de polícia de Palmeira. As acusações não são explicitadas. Braz acusa Joaquim de viver “especulando os destroços de uma revolução vencida”.
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E depois disso, Joaquim desaparece do noticiário paranaense, pois a partir de 1896 ou 1897 ele transfere as suas polêmicas para a região de  São Bento e Campo Alegre.
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5 pensamentos sobre “Um vilão na história de São Bento – Parte I

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  4. Muito interessante conhecer um.pouco da história da qual meu bisavô Albert Malschitsky foi vítima. Infelizmente sei muito pouco dessa história. O que sei é que era noite e estava numa salinha com minha tia Wally e minha avó Anita (ainda um bebê no colo) e foi atingido por um tiro fatal. O motivo, sempre nos foi contado ser de ordem “política” mas nunca soube de detalhes.

  5. Gostei de saber alguns detalhes do assassinato do meu bisavô Albert Malschitzky. Meu avô Álvaro Malschitzky, contou para meu pai Benno Walter Malschitzky, que seu pai Albert estava na sala da residência pós o jantar, com uma das filhas pequena no colo, nossa querida tia Wally, quando um tiro vindo de fora, passou pela janela e atingiu meu bisavô pelas costas.Detalhes nunca nos contaram. Fui conhecer um pouco
    desta história triste, quando li um livro da história da cidade de São Bento.Um crime político que na época chocou a cidade,que tinha apreço e admiração pelo meu bisavô.No dia do seu enterro o comércio fechou em luto pelo assassinato de um homem de bem.

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