Entre sete e oito horas daquele sábado, dia 21 de agosto de 1897, o cachorro de Georg Dums, imigrante de Hammern e morador da Estrada Dona Francisca, foi atingido por uma pedra. Ninguém soube dizer quem havia sido o autor. A agressão deixou o animal muito machucado. “Não conseguiu andar por uma semana”, lamentou Dums. Era um cão bravio e vigilante. Quando algum estranho se aproximava da vizinhança, era sempre o primeiro a latir – latia antes que os cachorros de Albert Malschitzky, também morador da Estrada Dona Francisca. E foram essas circunstâncias que chamaram a atenção de Dums no momento em que teve que depor.
Dums já havia se recolhido aos seus aposentos na noite da quarta-feira seguinte, dia 25 de agosto. Era por volta de oito e meia da noite quando, subitamente, ouviu um barulho que lhe pareceu ser de dois tiros. Intrigado, conversou com a esposa sobre o que poderia ter sido aquilo. Decidiu então se levantar e verificar pessoalmente. Mal abriu a porta de casa, voltada para a rua, e encontrou o seu vizinho Carlos Körner. Estava exaltado, e logo contou o que acabara de descobrir:
– O Malschitzky… recebeu dois tiros e está quase morto!
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Albert Malschitzky nasceu na região de Landek, na Silésia, por volta de 1857. Era filho de Ferdinand Johann Friedrich Malschitzky e Beata Förster, um casal protestante que se estabeleceu na atual Joinville. Malschitzky imigrou acompanhado da mãe e irmãos pelo Normen (ou Nornen), que saiu do porto de Hamburgo, na Alemanha, no dia 21.05.1870 e chegou ao porto de São Francisco do Sul aos 12.08.1870. Já como morador da Estrada Dona Francisca, em São Bento, Malschitzky passou a cuidar de um curtume. Naqueles primeiros anos de colonização, era comum na região em que morava os conflitos com brasileiros que usavam os seus terrenos como via de passagem. Um desses brasileiros era Francisco de Paula Pereira, ao lado de quem estaria em 1887, assinando o manifesto de criação do Partido Republicano na cidade. No ano seguinte Malschitzky seria eleito vereador, fazendo parte assim daquela que se orgulha de ter sido a primeira câmara totalmente republicana no Brasil. Após as turbulências da Revolução Federalista, o então governador de Santa Catarina Moreira Cezar nomeou, aos 10.07.1894, Malschitzky como presidente da Câmara Municipal de São Bento. Em 1895 houve nova eleição e Malschitzkty voltou a ser eleito, assumindo no ano seguinte como vice-presidente. E no ano de 1897 era ele mais uma vez o presidente da Câmara, e nessa condição enviou um telegrama que lhe custou a vida.
Albert Malschitzky casou-se com Sophia Berner, filha de Wilhelm e Dorothea Berner, também imigrantes que vieram à Joinville. Desse casamento, nasceram sete filhos: Alfredo, Albano, Max, Emma, Anita, Álvaro e Wally – a pequena Wally, que estava no colo de Malschitzky quando tudo aconteceu.
A bem da ordem e da moralidade
Naqueles tempos o Capitão Joaquim da Silva Dias já havia se transferido de Palmeira, no Paraná, para a região de São Bento, onde fora nomeado promotor público. Por motivos ainda desconhecidos, Albert Malschitzky enviou naquele trágico ano de 1897 um telegrama ao então governador Hercílio Luz pedindo a exoneração de Joaquim da Silva Dias “a bem da ordem e da moralidade”. Foi justamente a essa circunstância que uma das testemunhas aludiu em seu depoimento. “Agora eu o moralizei bem”, teria dito Joaquim.
No dia 28 de maio de 1898, um artigo anônimo publicado no jornal “O Estado”, de Desterro, fazia sérias acusações contra Joaquim da Silva Dias e Francisco Bueno Franco, ao que tudo indica relacionadas ao assassinato de Albert Malschitzky. Os dois rebateram as acusações na “Legalidade”, de São Bento, e a língua ferina de Joaquim voltou a funcionar, pois chamou o responsável pelo artigo de “covarde”, “miserável” e “cão leproso”. Era o início das suspeitas que levariam Joaquim a ser preso preventivamente, e encarcerado na Câmara Municipal, como tratamos no início desta história.
Em agosto de 1898, o chefe de polícia de Desterro veio a São Bento para auxiliar nas investigações do caso. Ouviu depoimentos que complicaram a situação de Joaquim. Serapião Marcondes da Fonseca disse ter sido convidado por ele a depor a Intendência Municipal de São Bento. E que, no dia seguinte à morte de Malschitzky, o próprio Joaquim teria confessado a ele ser o mandante do crime, executado por João Elias Fragoso e Gregório Pereira de Oliveira. Falou ainda que tudo isso estava de acordo com Francisco Bueno Franco, prefeito de Campo Alegre. Joaquim teria dito que Malschitzky era um “alemão muito ordinário” e que precisava ser assassinado pelo telegrama que mandou pedindo sua demissão a bem da ordem e da moralidade.
As acusações de Serapião não se resumiam ao assassinato de Malschitzky. Declarou também que Joaquim da Siva Dias, enquanto promotor público, recebeu em Campo Alegre trezentos mil réis de Américo José de Souza para que prendesse Bento Quadros, acusado de ocupar os seus terrenos. Bento foi então amarrado e enviado para ser entregue ao Capitão Joaquim Ignácio, fiscal do 14º Regimento de Cavalaria da Lapa. Serapião disse ainda que Joaquim recebeu de João dos Santos Martins e Bonifácio de tal cem mil réis para que expulsasse Francisco Esteves dos seus terrenos, e que teria de fato providenciado o despejo.
O empregado público Deodato Herculano Campos também foi ouvido e disse nada saber sobre o caso Malschitzky. No entanto, afirmou que há alguns dias havia conversado com o atual promotor público da Comarca, João Marques de Carvalho, cunhado do Capitão Joaquim da Silva Dias, o mesmo havia confessado que estava protelando o processo sobre a morte de Albert Malschitzky. João Marques de Carvalho sabia que o juiz de Direito queria dar continuidade ao processo, mas desconfiava que seu cunhado Joaquim estivesse envolvido, e que, além dele, muitas pessoas graúdas pudessem se comprometer. Por isso, protelava o andamento.
Gregório Pereira de Oliveira, acusado por Serapião de ter sido um dos executores do crime, depôs em seguida e disse que ficou sabendo por João Elias Fragoso que havia um plano do Capitão Joaquim da Silva Dias e de Francisco Bueno Franco para matar Malschitzky, e que caberia a Fragoso executá-lo. Quanto ao motivo para o crime, Gregório concorda: era o telegrama que Malschitzky enviou a Hercílio Luz pedindo a demissão de Joaquim a bem da ordem e da moralidade. Mas Gregório negou a acusação de que teria sido ele quem atirou em Malschitzky.
Disse que Joaquim da Silva Dias já havia pensado em alternativas para escapar do clamor popular e da suspeita geral de que fosse o mandante do crime. Em certo dia, Joaquim teria ido a Campo Alegre para que Bueno Franco telegrafasse ao governador e falasse ao Comandante de Polícia que estava sendo vítima de perseguição política, pois era homem honrado e incapaz de matar ou mandar matar alguém. Quem contou isso a Gregório, segundo ele, foi João Elias Fragoso.
E tanto Gregório como Serapião revelaram tantos e tão detalhados planos de crimes em São Bento, comandados por Joaquim da Silva Dias, que o melhor a fazer é dar a eles um capítulo a parte.
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