
Índios Carijó (Guarani), os habitantes nativos. Gravura de Ulrich Schmidl – 1559
Até mesmo de forma pejorativa, os primeiros brasileiros de São Bento do Sul costumaram receber ao longo da história a alcunha de “caboclos”, termo que designa o mestiço do branco com o índio, sem que ninguém se dispusesse a investigar as origens de cada família para verificar se, de fato, o termo era o mais adequado. Considerando a família Fragoso, uma das primeiras a habitar a região (um Fragoso inclusive ajudou os imigrantes de São Bento a subirem a serra Dona Francisca), minhas pesquisas evidenciam que a origem procede – isto é, existe relacionamento de branco com índio no passado da família. E melhor do que isso: sabemos o nome e alguns detalhes da vida de três gerações de antepassados indígenas.
Os Fragoso possuem origem mais remota em Curitiba. A capital paranaense começou a ser povoada alguns anos antes de 1661, ocasião em que lá já moravam as famílias Balthazar Carrasco dos Reis e Matheus Leme. Interessa-nos, neste caso, especialmente a figura de Balthazar, um bandeirante nascido em São Paulo. Ao decidir se estabelecer em Curitiba, é bastante provável que tenha travado contato com os indígenas que já habitavam a região, e que, ao que tudo indica, eram carijós, pertencentes ao grupo guarani. Há literatura sugerindo que os índios carijós eram mais dóceis, o que deve ter facilitado o seu apresamento. Sendo Balthazar um bandeirante, também ele manteve sob sua guarda em Curitiba alguns (provavelmente muitos) desses índios – e, conforme o pensamento da época, acreditava ser essa a atitude mais correta. Viravam então “administrados”, sendo utilizados no serviço doméstico da casa.

Balthazar Carrasco dos Reis, um dos primeiros moradores de Curitiba e proprietário de índios administrados.
É de se imaginar que, conforme os filhos de Balthazar casavam, recebiam os seus próprios índios entre aqueles que o pai mantinha. Uma de suas filhas se chamava Maria das Neves e ela se casou com Guilherme Dias Cortes. Este casal foi proprietário de uma índia chamada Valéria – e ela, como especulamos, deve ter origem nos índios capturados por Balthazar Carrasco dos Reis. Valéria deve ter nascido próximo ao ano de 1670, o que sugere que também os seus pais, de nomes desconhecidos, já estivessem sob a administração dos Carrasco dos Reis.
Valéria cresceu e teve também os seus filhos. No caso de índios administrados, que não eram casados na Igreja Católica, os padres omitiam o nome do pai no momento de batizar um filho. Por isso, só conhecemos as gerações femininas nesta genealogia indígena. E Valéria, no dia 18.08.1691, batizou uma filha chamada Ventura. Também a criança passava agora a ser propriedade da família de Guilherme Dias Cortes.
Os anos passaram e a índia administrada Ventura também cresceu e teve filhos, cujos pais, do mesmo modo, não são informados nos registros de batismo – sabe-se, no entanto, que uma das filhas de Ventura, provavelmente a primeira, chamada Izabel, foi tida com o conhecido Capitão João Carvalho de Assunção. Na ocasião, Ventura tinha apenas 17 anos. Entre os filhos de Ventura esteve uma menina chamada Páscoa das Neves, batizada em Curitiba no dia 01.01.1722. Por essa época, Guilherme Dias Cortes já era falecido, mas Ventura e a filha Páscoa continuavam sendo administradas da família (sobre a avó Valéria não temos informações se ainda vivia ou não).
Próximo ao ano de 1725, uma das filhas de Guilherme Dias Cortes, chamada Joanna Garcia das Neves, contraiu matrimônio com João de Siqueira Chaves. Talvez por conta deste evento, alguns dos índios que haviam pertencido a Guilherme Dias Cortes passaram para a propriedade de João de Siqueira Chaves. Entre eles estava a índia Ventura, além da filha Páscoa e, imagina-se, de seus irmãos.
Assim como a mãe, Páscoa das Neves teve o seu primeiro filho, chamado Antônio, aos 17 anos de idade. Dele não se conhece o pai. Seis meses depois do registro de batizado de Antônio (o que sugere erro), aos 25.01.1740, a mesma Páscoa das Neves aparece como mãe do menino Domingos, tida com João Soares Fragoso, homem branco, natural de Taubaté, filho de Álvaro Soares Fragoso e Catharina Garcia de Unhatte, e que na ocasião devia contar com cerca de 20 anos. Esta é a informação que confirma a mistura entre índios e brancos na origem dos Fragoso, pois os membros dessa família em Campo Alegre são todos descendentes desse mesmo relacionamento.
Provavelmente, esse relacionamento não passou de uma aventura para João Soares Fragoso, que não deve nunca ter cogitado oficializar algum tipo de união com Páscoa das Neves. No ano de 1742, Páscoa das Neves teve outra criança, chamada Ângela, mas agora tendo como pai Antônio Álvares. Ângela viveu apenas 8 anos. João Soares Fragoso, por sua vez, casou-se em Curitiba aos 04.02.1745 com Ignez de Chaves, justamente uma das filhas de João de Siqueira Chaves – ou seja, o proprietário de Páscoa das Neves.
Aos 20.07.1747, quando Domingos, o filho bastardo de João Soares Fragoso, contava com 7 anos, ocorreu o falecimento de sua avó Ventura, com a idade de 55 anos. Na ocasião, João Soares Fragoso já havia tido dois filhos legítimos com sua esposa (Maria e João Francisco). No ano seguinte teria ainda outro, chamado Miguel. Depois disso, podemos especular que entre os anos de 1749-1752, João Soares Fragoso mudou-se para a região dos Campos Gerais, tendo batizado seu filho Manoel na Capela de Santa Bárbara do Pitangui, na atual Ponta Grossa, e anos mais tarde aparecendo como proprietário de um sítio em Furnas, a 7 léguas da povoação de Iapó. Em Castro, João Soares Fragoso teria ainda os filhos Silvestre e Alexandre Soares de Chaves, que depois partiria para o Rio Grande do Sul.
Mas, ao que tudo indica, o filho bastardo Domingos Soares Fragoso (único dos filhos de João a portar o seu sobrenome exato) não acompanhou o pai quando ele saiu de Curitiba. Provavelmente ficou na companhia da mãe e seus familiares, todos ainda sujeitos à administração da família de João de Siqueira Chaves. No entanto, aos 26.08.1752, contando Domingos com pouco mais de 12 anos, ocorreu o falecimento de sua mãe Páscoa das Neves, com cerca de 30 anos. Morria, assim, a mais nova das três índias conhecidas que são antepassadas desta família Fragoso.
Não sabemos de que maneira e com quem viveu Domingos Soares Fragoso a partir de então, pois só voltamos a encontrá-lo treze anos depois, aos 30.10.1765, quando ele próprio contraiu casamento em Curitiba. Sua noiva chamava-se Maria Dias Camacho e, muito provavelmente, também possuía origem indígena. Ao nascer, tendo como pai um ainda misterioso Francisco Dias Camacho e uma mãe desconhecida, Maria foi abandonada à porta da casa de Ignácio Preto Bueno, paulista, de família tradicional e com muitas posses. Lá foi criada até o dia do casamento com Domingos.
Do casamento de Domingos e Maria nasceram todos os Soares Fragoso que, ao longo das gerações, se espalharam por toda a região metropolitana de Curitiba, tendo alguns alcançado até mesmo Guarapuava, além daqueles que partiram para Santa Catarina, onde estiveram em praticamente toda a região norte, e até mesmo cidades do oeste. É bastante singular que o sobrenome Soares Fragoso, ainda mais por ser nome duplo, perdure por todo esse tempo.
Este é, até o momento, um resumo sobre aquilo que se sabe a respeito da ascendência indígena da família Fragoso de nossa região de São Bento do Sul e Campo Alegre.