Escravos em São Bento e Campo Alegre III

Existem algumas referências históricas dizendo que em São Bento do Sul não houve escravos. Venho tentando há algum tempo mostrar que, embora não morassem na região central da cidade, habitada por imigrantes, é possível dizer que a cidade contou com a presença de escravos. A maior parte deles, habitava regiões mais afastadas,e geralmente pertencente a Campo Alegre. Houve, no entanto, proprietários que moravam em regiões ainda hoje pertencentes a São Bento, como Mato Preto e a Estrada Dona Francisca.

E ainda que esses escravos não tenham morado no núcleo central da cidade, houve caso de proprietários que desempenharam papel importante na vida pública de São Bento do Sul – e não de Campo Alegre. Foi o que aconteceu com Francisco de Paula Pereira e Francisco Teixeira de Freitas, figuras de destacada atuação na incipiente política de São Bento. Thomas Umbelino Teixeira, outro proprietário de escravo, foi ainda figura participante do movimento republicano que se destacou na cidade.

Recentemente, o historiador José Kormann parece ter reconhecido a presença desses escravos na região de Campo Alegre, afirmando que eram quatro ao total. Mas uma consulta ao livro “Famílias Tradicionais”, compilação de Paulo Henrique Jürgensen dos primeiros registros eclesiásticos de São Bento, é suficiente para ver que eram muito mais do que quatro os escravos na região

Abaixo, discrimino um a um os proprietários e escravos que são conhecidos – não representam todos, mas aqueles que deixaram rastros em documentos:

Antônio Carneiro de Paula: Rita

Antônio Ferreira de Lima: Josefa Gonçalves de Araújo

Francisco Carvalho de Assis: Mariana

Francisco de Paula Pereira: Gertrudes, Izá, Romão Frutuoso.

Francisco Teixeira de Freitas: Raphael

José Affonso Ayres Cubas: Catharina

Manoel Ignácio de Sousa: Bárbara, Balbina

Manoel Vaz de Siqueira: Luciana

Maria Joaquina do Nascimento: Josefa, Paula Ferreira e provavelmente Ascência

Thomas Umbelino Teixeira: Francisco

A predominância é de mulheres, isso porque os registros de batismo ou casamento não informavam o nome do pai – já que o filho de escravos que não se casaram diante da Igreja era entendido como ilegítimo e, portanto, só a mãe deveria ser mencionada. Disso se conclui que o número de escravos era ainda maior do que a quantidade que foi possível aferir. Também é bem possível que tenham existidos outros, mulheres ou não, que estiveram na região sem aparecer em registros.

Um caso peculiar é a escrava Rita, propriedade de Antônio Carneiro de Paula, que foi trazida a São Bento para ser cuidada pelo médico Felippe Maria Wolff mas, não resistindo, veio a falecer e foi sepultado no mesmo cemitério que os imigrantes pioneiros na colonização de São Bento. Isso mostra que, embora a presença de escravos não estivesse diretamente relacionada aos imigrantes de São Bento, o fenômeno estava presente e merece ser estudado para melhor compreensão das relações sociais da região.

Eleições em São Bento do Sul

Eleições do Passado

As primeiras votações em São Bento aconteciam assim: uma mesa eleitoral composta pelos juízes de Paz e mesários era montada na Câmara Municipal. Havia uma grade para garantir a privacidade e segurança da mesa. A urna era aberta diante de todos, para confirmar que não havia nada dentro dela. Feito isso, era trancada e então o mesário começava a chamar os eleitores em alta voz, um por um.

Cada eleitor passava pela grade, depositava a sua cédula na urna e então assinava a lista de presença. Depois de todos votarem, iniciava-se a contagem voto a voto, como acontecia antes da Urna Eletrônica. Um dos mesários fazia a leitura de cada voto e em seguida era feita a soma deles para descobrir quem eram os eleitos. Mas nem sempre dava certo: em 1886, por exemplo, havia mais cédulas na urna do que pessoas votando.

Eleições do Passado II

Naquele mesmo ano, Francisco de Paula Pereira era representante do partido liberal em São Bento. Como primeiro juiz de Paz da cidade, era ele quem conduzia a mesa eleitoral nas eleições. Mas havia poucos eleitores liberais, e Francisco previu a derrota de seu partido nas urnas. Diante disso, mandou que outro juiz de paz levasse o livro de assinatura dos eleitores para bem longe e só voltasse depois de ter esgotado o tempo para as eleições.

E foi o que aconteceu. O juiz de paz, Augusto Henning, só compareceu ao local da eleição às 9h30. Francisco então abriu uma votação com os mesários para verificar se os trabalhos deveriam continuar, pois o prazo para início da eleição já havia passado. Foram três votos a favor da continuidade dos trabalhos e uma abstenção. Não contando com isso, Francisco decidiu por conta própria encerrar a eleição, alegando que ela era ilegal.

Uma nova eleição aconteceu alguns meses depois. Na ocasião, foram eleitos dois liberais. Mas as confusões continuaram: foi exatamente essa a eleição que teve cédulas a mais.

Escravos em São Bento e Campo Alegre

Um pequeno artigo publicado no Jornal A Gazeta, de São Bento do Sul, no dia 18.05.2009, lembrando dos primeiros negros que habitaram a nossa região:

Escravos em São Bento e Campo Alegre

Quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, também houve quem se beneficiasse em São Bento e Campo Alegre. Afinal, alguns escravos também moravam na região. Seus proprietários, naturais de São José dos Pinhais e da Lapa, moravam ao longo da Estrada Dona Francisca, em Mato Preto, Bateias, Avenquinha e outros bairros mais afastados. Nesses lugares, dispunham de mão-de-obra escrava – que não era muita, mas realmente existia.

Está visto que, apesar da distância, os brasileiros se relacionavam com os imigrantes de São Bento. Os primeiros cargos públicos da cidade foram ocupados por paranaenses, e alguns deles eram proprietários de escravos. É o caso de Francisco Teixeira de Freitas, primeiro subdelegado de São Bento, e que possuía, na sua fazenda em Avenca, um escravo chamado Raphael. Francisco de Paula Pereira, um dos primeiros Juizes de Paz da cidade, morava na Estrada Dona Francisca e foi proprietário, entre outros, da escrava Gertrudes.

Gertrudes protagonizou um dos raros casamentos envolvendo escravos em São Bento. Foi necessária a autorização do proprietário para que ela se casasse com Antônio Fernandes de Quadra – um homem livre. O escravo Francisco, que pertencia a Thomas Umbelino Teixeira, chegou a se casar duas vezes em São Bento, ambas com mulheres livres – uma antes da abolição e outra depois, quando já era considerado liberto.

Esses proprietários vinham de famílias tradicionais, que mantinham relações entre si e há muitas gerações dispunham de serviço escravo. A família Teixeira, por exemplo, era descendente de Nazário Teixeira da Cruz, que em 1790 possuía 10 escravos em São José dos Pinhais.

Embora os escravos não morassem no centro de São Bento, era possível que seus proprietários os levassem até lá para receber atendimento médico do Dr. Wolff. Foi o que aconteceu com a escrava Rita, pertencente a Antônio Carneiro de Paula, e que acabou falecendo em São Bento e sendo sepultada no mesmo cemitério dos primeiros imigrantes.

Além dos citados, sabe-se quem também possuíam escravos Antônio Ferreira de Lima, Manoel Ignácio de Souza, José Affonso Ayres Cubas, Francisco Carvalho de Assis, Manoel Vaz de Siqueira, Maria Joaquina do Nascimento e provavelmente o Tenente Coronel Joaquim Pinto de Oliveira Ribas. A constatação da existência da escravidão na região merece estudos específicos e representa novas possibilidades para se entender as relações sociais mantidas pelos primeiros moradores da cidade e, assim, contribuir com o conhecimento da nossa história.

Henrique Luiz Fendrich