Para entender melhor a existência da escravidão em São Bento do Sul e Campo Alegre é preciso antes reafirmar a intensa colonização feita por paranaenses na região. Eram alguns deles, e não dos imigrantes, que mantinham mão-de-obra escrava. Ao contrário do que geralmente se imagina, os paranaenses não se limitavam a um ou outro intruso que arrumava confusão com a Sociedade Colonizadora. Pelo contrário: se considerarmos Campo Alegre como uma parte de São Bento (como era no tempo da escravidão), descobriremos então que havia inclusive mais brasileiros do que imigrantes na região.
Esses muitos brasileiros que saíram do Paraná e se estabeleceram em São Bento e Campo Alegre eram em sua maioria, ao que tudo indica, gente simples. Pequenos lavradores e criadores de gado. É inexato dizer que todos eles estiveram envolvidos com o negócio da erva-mate – do mesmo modo que não é possível atribuir a isso a vinda dos primeiros deles para a região. Havia, no entanto, uma pequena elite entre esses paranaenses. Era constituída por grandes fazendeiros que vieram principalmente de São José dos Pinhais, onde suas famílias, há muitas gerações, ocupavam cargos de destaque na vida pública e mantinham patentes militares.
E tinham escravos. Foi natural então que, ao se mudarem para São Bento e Campo Alegre, também trouxessem consigo a porção que lhes coube dos escravos da família. Até então, tínhamos identificado, com base principalmente em registros civis e católicos, 10 proprietários e 15 escravos morando na região – lembrando que os filhos de escravos nasciam livres desde 1871, com a Lei do Ventre Livre, e portanto não entram nessa conta.
Agora, o número de escravos conhecidos aumentou. Isso porque a preciosa Brigitte Brandenburg, pesquisadora da lista SC_Gen, me encaminhou uma relação de escravos do livro de Escrituras de compra e venda de escravos, do período 1871-1882, do Cartório do Tabelião de Notas de Joinville, conforme acervo da biblioteca da Escola Técnica Tupy. Lá constam, entre outros:
17/12/1879 – Escrava Rosa, criola, de 30 anos aproximados, de propriedade de Maria Dias do Rosário (procurador Antonio Alves Pereira), vendida a Antonio Carneiro de Paula, pelo preço de 600 milréis.
Nov-dez 1879-planalto-batismos-Eduardo, nascido livre, filho de Benedicta, escrava de Francisco Teixeira de Freitas, Avenca.
13/10/1876 – Escravo Francisco, 11 anos de idade, de propriedade de José de Souza da Silva, vendido a Francisco Carvalho de Assis França, morador de Ambrózios, província Paraná, pelo preço de 500 mil réis.-Coletoria provincial de Joinville.
Antônio Carneiro de Paula e Francisco Teixeira de Freitas são nossos conhecidos, pois moravam na região de Campo Alegre e já sabíamos que os dois haviam sido proprietários de escravos. Não tínhamos, no entanto, o nome das escravas Rosa e Benedicta. Francisco Carvalho de Assis França é provavelmente o mesmo Francisco Carvalho de Assis que também temos como proprietário em São Miguel, Campo Alegre. Permanece uma dúvida por desconhecermos a origem do sobrenome França. Caso seja o mesmo, teremos então 18 escravos conhecidos.
Ressaltamos que o fenômeno não estava restrito a Campo Alegre: Thomas Umbelino Teixeira tinha um escravo no Mato Preto e Francisco de Paula Pereira tinha ao menos três ao longo da Estrada Dona Francisca, em São Bento.
Do Kolonie Zeitung, Brigitte acrescentou ainda o seguinte registro de batismo, informado pelo Pe. Karl Boegershausen e que não está nos livros de São Bento:
83-Manoel Vaz de Siqueira
Janeiro-1876-Batismo-Thomas, filho nascido livre de Luciana, escrava de Manoel Vaz de Siqueira, Distrito de S.Bento.
A escrava Luciana também já era nossa conhecida. Não tínhamos, apesar disso, o nome do seu filho Thomas, já nascido livre, e que vem contribuir para melhor ilustrar a vida dessa personagem. Aos poucos tentarei detalhar aqui o que for possível sobre cada escravo e seus proprietários.
Com as novidades, a lista completa ficou a seguinte:
Antônio Carneiro de Paula: Rita, Rosa
Antônio Ferreira de Lima: Josefa Gonçalves de Araújo
Francisco Carvalho de Assis: Mariana, Francisco (provável)
Francisco de Paula Pereira: Gertrudes, Izá, Romão Frutuoso.
Francisco Teixeira de Freitas: Raphael, Benedicta
José Affonso Ayres Cubas: Catharina
Manoel Ignácio de Sousa: Bárbara, Balbina
Manoel Vaz de Siqueira: Luciana
Maria Joaquina do Nascimento: Josefa, Paula Ferreira e provavelmente Ascência
Thomas Umbelino Teixeira: Francisco
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Escravos em São Bento e Campo Alegre III