
Protocolo de Recepção ao Cônsul que nunca veio. O texto do documento encontra-se mais abaixo.
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“Na história das colônias, principalmente alemãs, as sociedades culturais, recreativas e beneficentes sempre tiveram uma influência decisiva na formação moral e cultural dos colonos”. (FICKER, 1973 p. 205).
Entre os são-bentenses já havia sido criada uma sociedade literária, em 1881, e a Sociedade Atiradores em 1895. Ambas as sociedades perduram até os nossos dias. Somava-se a essas a Sociedade dos Soldados Veteranos. Essa última, aceitava como membros ex-combatentes alemães, principalmente aqueles que lutaram nas guerras de 1864-1866 e na grande guerra contra a França, em 1870-1871. Muito bem organizada, a sociedade desfilava garbosamente pelas ruas da vila no dia 02 de Setembro, que era quando comemoravam a batalha de Sedan, da guerra de 1870. Os sócios exibiam suas condecorações no peito, enquanto uma banda puxava as marchas da apresentação. Findando o dia, realizavam um grande baile.
Ora, os boêmios também ficaram com vontade de fazer a sua sociedade, e de fato a fizeram. Entre eles, havia também ex-combatentes de guerras na Dinamarca, em Sadwa, contra a Prússia e ainda na Itália. Continuamos com as palavras de Josef Zipperer:
“Esses veteranos não podiam fazer parte da associação já existente, que só agremiava descendentes alemães, principalmente prussianos, contra os quais havia poucos anos passados, os austríacos tinham estado em guerra, resolveram criar sua própria sociedade, sob a forma de uma Sociedade Auxiliadora. Essa foi criada sob a denominação de “Sociedade Auxiliadora Austro-húngara”, na qual todos os súditos da velha Áustria podiam se associar. (ZIPPERER, 1951 p. 90).
Frederico Fendrich era o presidente da recém-fundada sociedade. Foi criada, para bem representá-los, uma bandeira pintada em verde-amarelo de um lado, as cores da nova pátria, e amarelo-preto do outro, as cores que identificavam a dinastia dos Habsburgueses. Os Habsburgos, conforme já dissemos, governaram a Áustria por séculos, e eram ainda eles que governavam quando da criação da sociedade.
Se os prussianos tinham no 02 de setembro um motivo de comemoração, os boêmios consideravam o 18 de agosto um dia de grande festa. Era essa a data de aniversário do então imperador austríaco Francisco José. A data era muito festejada. Era então a oportunidade da Sociedade desfilar nas vias públicas, com os ex-combatentes igualmente exibindo suas condecorações.
Antes do desfile, porém, os membros e seus familiares participavam de uma missa. Só então era que começavam os festejos, sempre animados por bandas tocando alegres canções da Velha Áustria, as quais nunca esqueciam e que tanto animavam seus dias cá no Brasil. Terminavam o dia na cervejaria do Hoffmann, os sócios e seus parentes.
Em dezembro de 1898, o imperador Francisco José comemorou meio século à frente da Áustria. Foi outro dia de grandes comemorações para a sociedade da qual Fendrich era presidente. Tanta alegria resultou num grande baile no salão de Josef Zipperer. Eis as palavras do próprio a respeito:
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“A Sociedade tinha a sua sede no meu salão e com guirlandas, bandeiras transparentes com as armas da Áustria e do Brasil, aquele salão apresentava um ar festivo. À noite a minha casa ficou completamente cheia de sócios e suas famílias, os quais na maioria eram simples lavradores”. (ZIPPERER, 1951 p. 91).
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O detalhe é que o local ficou cheio demais, obrigando os dançarinos a ficarem separados em grupos. A diretoria da sede achou por melhor mudar a sua sede para um local mais amplo, a fim de dar uma maior comodidade aos seus membros. Escolheram então o salão de Hermann Knop, que era pomerano.
Isso revoltou Josef Zipperer, o dono do salão aonde até então eram realizadas as reuniões e comemorações da Sociedade. Fez ele, então, um elaborado plano. Sabendo da recente criação do Consulado Austríaco em Curitiba, resolveu simular uma visita do Cônsul para a cidade. Foi escrita uma carta assinada pelo “cônsul” e entregue a Frederico Fendrich.
A visita do cônsul animou sobremaneira a Sociedade, e boa parte da cidade. Começaram os preparativos para o grande dia da recepção.
Josef Zipperer foi então ter com seu cunhado Josef Linzmeyer, morador de Oxford. Linzmeyer dispunha de um trole com dois cavalos. Era o que Zipperer precisava para que seu plano funcionasse. Afinal, ele não queria que o plano resultasse apenas na decepção pela não vinda de cônsul nenhum.
Assim, quando todos avistaram no horizonte o trole, julgaram ser o cônsul austríaco, que finalmente chegara a São Bento do Sul. Qual não deve ter sido a estupefação e a frustração, quando viram que os ocupantes do trole eram justamente Zipperer e Linzmeyer, que acenavam alegremente para a multidão atônita. Obviamente, o trole seguia ligeiro, afinal, eles não podiam arriscar (vai que alguém se recuperava do susto enquanto eles ainda estavam passando?)
Um episódio curioso, envolvendo nomes importantes da história de São Bento do Sul. O Arquivo Histórico de nossa cidade tem em seu acervo uma cópia do “Protocolo de Recepção ao Cônsul”, constando o nome de diversos vultos e as entidades que eles deveriam representar durante a visita que nunca houve.
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Eis a versão transcrita do protocolo de recepção:
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Protocollo
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da deliberação respeito do arranjo de uma cumprimentação a fazer nachegada do Senr. de Zimmerer (Limmerer?) – consul geral do impériode Allemanha, acreditado no Estado de Sta. Catharina da República doBrazil – a qual será anunciada pelo telégrafo de Joinville:As seguintes associações tem mandado deputados:
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1. A Associação Literária pelo senhor Carlos Leichsenring
2. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ militar ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Henrique Hussmann
3. ¨¨¨¨¨¨¨¨ Erholing (?) (literário) ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ João Hoffmann
4. ¨¨¨¨¨¨¨¨ escolar dos allemães ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨Otto Krause
5.¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ dos atiradores de São Bento, ¨¨¨¨¨¨¨ Antº Koenig
6. ¨¨¨¨¨¨¨ escolar da estrada Dª Francisca ¨¨¨¨¨Carlos Doetsch
7. ¨¨¨¨¨¨¨¨ dos atiradores de Lençol ¨¨¨¨¨¨ Jozé Kwitschal
8. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨de Cultura Glüchauf (?) ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Jozé Wand
9. ¨¨¨¨¨¨¨¨ Hungaro-Austríaco de S. Bento¨¨¨¨¨¨¨¨ Frederico Fenrich
10. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨ idem Lençol ¨¨¨¨¨¨¨¨ Jozé Endler
11. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨dos cantadores (???) ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Veit Schwedler
12. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨escolar do Lençol ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨Julio Schindler
13. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨dos cantadores (Saengerbund) ¨¨¨¨¨¨ Max Richter
14. ¨¨¨¨¨¨¨¨ Evangelica Ecclesial ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Georg (?) Boettner
15. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨Camara Municipal ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Gustavo Kopp
16. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨escolar de Oxford ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Ernesto Wolf
17. ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ São Bento ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨(não consta)
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A resolução do programma para esta comprimentação é a seguinte:
1. O arco triumphal será construido na Rua Argollo entra as casasdos Srs. Wünsche e Lutz, e as despezas serão pagas por contribuiçõesvoluntarias.
2. A collocação das associações e dos alumnos das escolas perto aocuidado do Comite Festival, o qual se compõe das seguintes pessoas:
3. Gustavo Kopp, Henrique Hussmann, Frederico Fendrich, MoritzRichter e Antº Koenig.
4. O Comitê tem de reservar e escolher um lugar mais favorável econveniente para as autoridades convidadas.
5. Os cantadores reunen-se e collocão-se na varanda da casa daDirecção e principião com o canto de comprimentação no momento dachegada do Festivado.
6. As despezas pª esta comprimentação e seus preparos serão pagastambém por contribuições voluntárias.
7. O convite das autoridades como também a participação do dia ehora da solemnidade é confiado ao cuidado do senhor Otto Gelbike
8. A comprimentação do Festivado por sermão é confiado ao Senr.Theodoro Hermann.
9. A apresentação das autoridades, (como a participação do dia ehora da solemnidade) e de outras pessoas distinctas é confiada aoSenr. Otto Gelbike.
10. O Comité festival terminará, confore ás circunstancias, umanoite dos dias seguintes pª uma assemblea social do salão do Senr.Linke, e convidará por este fim as autoridades e pessoas distinctas.
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Contrasignado pelos deputados
Assignado pelo escrivão João Hoffmann
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by Henrique Fendrich.