O Opa do “São Bento no Passado”

Em setembro de 2004, eu era um moleque de 17 anos e havia visto numa revista Seleções algum artigo que falava sobre árvores genealógicas. Por curiosidade, resolvi baixar um dos programas citados e iniciar a minha própria árvore. Na ocasião, eu não conhecia nem os meus bisavós – no máximo, sabia que era descendente de Frederico Fendrich, mas sem me preocupar em descobrir de que maneira ele se encaixava entre meus ancestrais.

Meus pais me passaram o nome dos bisavós, mas não sabiam nada além disso. Como eu continuava mostrando interesse, um dia comentamos sobre o assunto na casa de meu avô – ou, mais exatamente, de meu Opa. Ora, o Opa sempre foi homem de respeitar e preservar a memória de sua família e da cidade, e portanto não teve muita dificuldade em me passar novos nomes para a minha árvore genealógica.

E ainda fez mais do que isso: ele me municiou com vários dos seus livros sobre a história de São Bento do Sul. Foi assim que fiquei conhecendo a linda (e rara) obra “São Bento – Cousas do Nosso Tempo”, do Coronel Osny Vasconcellos, em parceria com Alexandre Pfeiffer, e também o “São Bento na Memória das Gerações”, do mesmo Pfeiffer. Foram obras que me fizeram iniciar na história da cidade, coisa que nunca havia chamado minha atenção até então. Fizeram com que eu me interessasse cada vez mais por ela.

Herbert Fendrich tocou bombardino em várias das bandas da região. Sua participação na Banda Treml, por exemplo, rendeu sete cadernos contando, em forma de diário, as histórias que viveu ao lado de seus companheiros de música.

Naqueles primeiros meses de pesquisa, cada informação era uma novidade. Ainda sem ter muita intimidade com os livros de registros das igrejas e cartórios, boa parte das minhas buscas era por nomes e datas no Cemitério Municipal, que ficava perto da minha casa. Também perguntava por datas ao Opa, que, naturalmente, não tinha como saber de todas elas. Então ele me surpreendia.

Ao visitar os cemitérios da região, o Opa começou a anotar para mim nomes e datas de parentes. Ele sabia que isso seria de interesse para a minha pesquisa. Quando ia visitá-lo, recebia então um pequeno papel, batido à máquina, com informações para a minha pesquisa – sem que eu nunca houvesse lhe pedido tamanho esforço. Fez isso por algumas vezes.

Para o Opa, não era esforço. Era homem que gostava de preservar a história. Foi uma das características que o deixou conhecido na cidade. Diz a história – por ele escrita – que seu pai também era assim: gostava de conversar sobre o passado da cidade, e era procurado pelas pessoas por conta disso. Assim, era com prazer que conversava sobre minhas dúvidas, que me emprestava livros e que anotava dados de cemitérios.

Também era com igual satisfação que contava suas histórias – como eu gostava de ouvir! O Opa distribuiu centenas de suas histórias nos diários que escreveu, mas havia muitas outras que nos contava pessoalmente.  E eram tantas que sua memória se tornou fonte de consulta para historiadores da cidade.

Com o tempo, minhas pesquisas foram se desenvolvendo, e descobri muitas coisas que ele desconhecia. O Opa recebeu uma versão dos meus trabalhos sobre as famílias Zipperer, Roesler e Giese – ainda bem incipientes. E, conforme lia, fazia observações ou então corrigia aqueles dados que sabia. Às vezes ele se surpreendia com os parentes que eu encontrava durante minhas pesquisas. “Ah, então você falou com o filho do Bubi? Olha só, quem diria!”. Enquanto isso, ele me emprestava todos os outros livros de história da cidade que possuía.

O gosto de Herbert Alfredo Fendrich pela história e pelo passado de São Bento do Sul permitiram que esse blogueiro também se apaixonasse pela história da cidade

Mais do que uma explicação genética (que realmente existe), o que valorizo é a dedicação que teve com as minhas pesquisas. Ainda que eu ache não tê-la aproveitado da maneira que poderia, estou certo que, sem ela, eu não teria conseguido progredir tanto. Talvez até viesse a descobrir, com mais dificuldade, o nome de alguns ancestrais. Mas é possível que não houvesse me apaixonado pela história da cidade, coisa que só foi possível através dos livros que me emprestou.

O São Bento no Passado existe porque um dia Herbert Alfredo Fendrich ajudou um moleque a conhecer a sua história.

Herbert Alfredo Fendrich *05.04.1930 +30.07.2007.

A Carroça Fúnebre de Frederico Fendrich

Do arquivo de meu avô:

A Origem deste Carro

Em fins de 1934, o sapateiro Frederico Fendrich Filho idealizou a construção desta carroça para transportar nossos falecidos até a sua derradeira morada. Possuindo um velho trole (carro de molas) que herdara de seu pai, Frederico Fendrich Sênior, utilizou ferragens para fabricar esta carroça moderna, que agora, neste local, fica perpetuada.


Não tendo modelos para construi-la, dirigiu-se com dificuldade à Joinville para fotografar a carroça fúnebre da Funerária Stoll, daquela cidade. Voltando ao terceiro dia com as fotos, solicitou a construção dessa carroça aos Srs. Leopoldo e Alexandre Zschoerper, Jack Matl e Gustavo Stratmann, que, profissionalmente, com esmero e capricho, a concluíram. A pintura foi feita pelo Sr. Ernesto Walter Zulauf. As primeiras cortinas foram confeccionadas em Joinville.

Finalmente pronta, a carroça fúnebre começou a servir a comunidade são-bentense em princípios de 1935. O primeiro esquife que trouxe para esse Campo santo foi o do Sr. Otto Beckert (Putzi), em 15/02/1935. Até maio de 1947, o próprio Frederico Fendrich Filho ou um de seus agregados conduziram os cortejos em São Bento do Sul, atentendo também várias vezes a Rio Negrinho, Campo Alegre e arredores.

Após a morte de seu idealizador, em 25/05/1947, o carro passou a ser propriedade da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, tendo atuado como condutores José Zipperer Filho, Wenzel Pscheidt, Paulo Chapiewski, Alfonso Rank, Rodolfo Denk e, por último, Paulo Muller, que a conduziu por 15 anos, encerrando o uso desta carroça fúnebre em meados de 1976, quando foi abolido esse sistema de enterros em que o povo acompanhava a pé.

Essa carroça fúnebre foi a primeira aqui do município, e trouxe centenas de entes queridos para este cemitério, do mais humilde trabalhador até a mais alta personalidade ou autoridade são-bentense. Assim, tornouse uma valiosa peça da história de São Bento do Sul, que bem merece um lugar para sua recordação.

Para concretizar o desejo de vê-la aqui perpetuada, Herbert Alfredo Fendrich, filho mais novo do idealizador desse carro, com o apoio da Administração Municipal 89-92, efetuou a restauração da carroça fúnebre, contando com a ajuda dos profissionais Zilda Habowski (costuras) e Pedro Santos (pinturas).

Com agradecimento especial ao Sr. Lourenço Schreiner, digníssimo Prefeito Municipal, Paulo Roberto Knop, engenheiro, e demais pessoas que colaboraram para a execução desta importante obra.

São Bento do Sul, Julho de 1992

No dia 23.09.1992, durante as comemorações de aniversário da cidade, Herbert Alfredo Fendrich desfilou com a carroça idealizada e conduzida por seu pai. Restaurada, a carroça está atualmente na entrada do Cemitério Municipal.

Coral se Despede de Figuras Ilustres de SBS

Meu avô Herbert Alfredo Fendrich foi regente da Sociedade de Cantores 25 de Julho, em São Bento do Sul, entre os anos 1983-2000. Uma das tradições que, ao longo desse tempo, a Sociedade buscava manter, era a de acompanhar com cantos o sepultamento de membros e de pessoas relacionadas ao Coral.  Já em 1897 existia registro de ato semelhante por parte dos coralistas, quando faleceu Henrique Hettwer. Era uma maneira de homenagear e mostrar o reconhecimento por essas pessoas, tornando a cerimônia mais bela e emocionante, levando muitos às lágrimas. Normalmente, cantava-se no velório e também ao pé da sepultura. Essa tradição se manteve enquanto Herbert Alfredo Fendrich foi o regente do Coral. E, nesse período, a Sociedade de Cantores 25 de Julho, com seus belos cantos, acompanhou até à última morada as seguintes pessoas, conforme as bem-cuidadas anotações de meu avô:

 

11.09.1984 José Kellner

10.02.1985 Nelson Weiss

17.02.1986 Elisabeth Grosskopf

23.03.1986 Eraldo Sprotte

03.05.1986 Sophia Schwedler

10.05.1986 Maria Lietz

28.09.1987 Lino Sprotte

01.06.1988 Wilhelm Ziemann

12.08.1988 Edgar Panneitz

10.04.1989 Bráulio Rudnick

21.08.1989 Antônia Rudnick

22.11.1989 Erhardt Mareth

04.12.1989 Orlando Ziebarth

07.12.1989 Heinz Selke

08.04.1990 Ornith Bollmann

03.06.1990 Gustavo Sprotte

30.06.1990 Maria Struck

23.12.1990 Julio Panneitz

19.02.1991 Edy Ellingen

19.04.1991 Bruno Linke

17.05.1991 Alfredo Reinaldo Scholze

19.06.1991 Ervino Schwedler

16.07.1991 Hugo Weiss

10.09.1991 Maria Schwarz

27.11.1992 Alfredo Priebe

27.05.1993 Erna Schwedler

02.07.1993 Wilfredo Weihermann

01.11.1993 Sophia Scholze

12.03.1994 Leonardo Scholze

16.05.1994 Jonnas Rudnick

03.07.1994 Germano Struck

11.12.1994 Lino Schwarz

28.04.1995 Erhardo Rudnick

11.10.1995 Rudolf Schlagenhaufer

13.11.1995 Vigando Radinz

15.12.1995 Albino Tschoecke

14.04.1996 Gustavo Rudnick

06.07.1996 Alfredo Schulz

21.04.1997 Berta Sprotte

30.04.1997 Waldemar Scholze

16.06.1997 Venanda Lilly Kellner

01.11.1997 Paulo Pauli

20.11.1997 Valfrido Scholze

26.11.1997 Ricardo Neubauer

30.01.1998 Elfrida Cristina Sprotte

22.09.1998 André Brodel

05.11.1998 Olga Hannemann

22.01.1999 Siegfried Schürle

22.05.1999 Clara Kohlbeck

26.09.1999 Elly Tschoecke

19(?).12.1999 Amália Panneitz

1 Ano do Falecimento de Herbert Alfredo Fendrich

Nesse 30 de julho, faz um ano que faleceu meu avô Herbert Alfredo Fendrich, casado com Dóris Izolda Giese, e filho de Frederico Fendrich Filho e Anna Roesler, neto paterno de Friedrich Fendrich e Catharina Zipperer, e neto materno de Johann Rössler e Amália Preussler.

Era uma pessoa que vivia música, tendo tocado em várias bandas tradicionais germânicas, além de cantar em diversos corais. Merece destaque a sua participação na Banda Treml, que foi de 35 anos, os quais foram cuidadosamente registrados em cadernos de anotações, semelhantes a um “diário” da banda.

Seleciono dois trechos escritos na década de 50 que julgo representativos da dedicação que meu avô tinha em relação a música e aos seus companheiros. É certamente uma das facetas mais marcantes de seu caráter.

“Por motivo de chuvas, eu não fui aos ensaios nas últimas duas semanas. Hoje, 14-9-58, realiza-se novamente a festa dos Atiradores em São Bento. Mas infelizmente, está chovendo outra vez, e eu, por assim dizer, obrigado a ficar chocando aqui. De certo que com chuva mesmo eles se divertem. É sempre para mim um dia enjoado sabendo que a banda está tocando em alguma festa e eu não posso ir.”

O trecho mostra a importância dos eventos em que tocava com seus amigos, e na cidade em que nascera e que amava. Herbert morava na época em Campinas dos Crispim, uma localidade de Piên, e nem sempre podia se deslocar até São Bento para acompanhar os ensaios e apresentações da Banda Treml. Muitas vezes, quando o tempo permitia, ia de bicicleta. Outra tantas, ia de ônibus – o que não podia acontecer sempre, já que as passagens não eram das mais baratas para ele. E em casos como esse citado, em que chovia e nem o ônibus era capaz de chegar até a sua casa e levá-lo para São Bento, Herbert certamente passava o dia amuado e tristonho.

O outro trecho, embora descrito rapidamente por ele, é de uma beleza imensa se prestarmos mais atenção no que ele realmente significa.

No dia 8-5 o Xerife me mandou diversas folhas de músicas para copiar, porque, para nossos instrumentos, só veio uma folha de cada peça, e é muito ruim ler as notas em três por folha. Aproveito assim as noites, com lampião, para este serviço.”

Tentem evocar essa imagem de meados de 1958: um jovem de 28 anos, sob a luz do lampião, se propõe a passar as noites transcrevendo as músicas que a banda irá tocar, a fim de que todos tenham a sua própria folha, facilitando o trabalho de todos.

É de uma beleza poética estupenda, que só vem ressaltar a generosidade e dedicação que tanto pareciam dirigir suas atitudes, e que convém destacar sempre, especialmente no dia de hoje.

O Trole Virado

Conta o meu avô Herbert Alfredo Fendrich em seus diários uma história curiosa que aconteceu com seu pai, e que ficou sabendo quando encontrou Hans Schreiner num bar em Blumenau, onde a Banda Treml havia ido se apresentar, em 28.05.1955.
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Meu bisavô Frederico Fendrich estava em companhia de Hans Schreiner, e foram os dois tratar de negócios na casa e serraria de Affonso Jung. Este, serviu aos dois bastante vinho, e ficaram tomando até anoitecer. Quando resolveram enfim retornar para o centro da cidade, sem querer pegaram o caminho errado. No trole em que estavam, acabaram virando à direita, e quando se deram conta já estavam em Lençol.
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Percebendo-se do engano, deram meia-volta com o trole, dessa vez no caminho certo rumo a São Bento. Aproveitando que estavam ali, entraram os dois no negócio do Sr. Maia, que ficava naquela região. E demoraram-se ali algum tempo. O suficiente para que algum espertinho tornasse a virar o trole na direção contrária. Deixou-o, portanto, novamente virado para Lençol.
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Quando Frederico Fendrich e Hans Schreiner saíram e embarcaram de novo no trole, não perceberam a mudança, e seguiram no sentido em que os cavalos estam virados. Os dois já estavam ansiosos por chegar em São Bento. Mas estava demorando demais. Quando perceberam, já estavam quase em Rio Negrinho!
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Era por volta das 5h da manhã quando finalmente chegaram de volta e puderam dar um descanso aos cavalos.
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Uma história curiosa, que deve ter acontecido há uns 70 anos ou mais, e que chegou ao conhecimento do meu avô há 52 anos. E se ele não tivesse deixado anotado, ninguém jamais ficaria sabendo.

Bodas de Ouro de Otto Roesler e Maria Treml

Entre as preciosidades que existem no arquivo do meu avô está o programa da festa comemorativa das bodas de ouro do casal Otto Roesler e Maria Treml, ocorrida em 26.06.1952. Como não poderia deixar de ser, foi animada pela Banda Treml. Otto era o primogênito de Johann Rössler e Amalia Preussler, enquanto que Maria era filha de Jacob Treml e Maria Böhm, o casal patriarca da família Treml em São Bento. Ele faleceu em 16.12.1956. Conforme registrou meu avô Herbert Alfredo Fendrich, o falecimento de Otto Roesler “foi um dos maiores enterros em São Bento”. Ela faleceu em 23.06.1965.