1897: O Terror em São Bento

Coluna publicada no Jornal Evolução de 14.09.2012.

Entre sete e oito horas daquele sábado, 21 de agosto de 1897, o cachorro de Georg Dums, imigrante boêmio, morador da Estrada Dona Francisca, foi atingido por uma pedra. Ninguém soube dizer quem havia sido o autor. A agressão deixou o animal muito machucado. “Não conseguiu andar por uma semana”, lamentou Dums. Era um cão “bravio e valente”, segundo o vizinho Carlos Körner. Quando algum estranho se aproximava da vizinhança, era sempre o primeiro a latir – latia antes que os cachorros de Alberto Malschitzky, também morador da Estrada Dona Francisca. E foram essas circunstâncias que chamaram a atenção de Dums e Körner no momento em que tiveram de depor.

Georg Dums já havia se recolhido ao seus aposentos na noite da quarta-feira seguinte, dia 25 de agosto. Era por volta de oito e meia da noite quando, subitamente, ouviu um barulho que parecia ser de dois tiros. Intrigado, debateu com a esposa sobre o que poderia ter sido aquilo. Decidiu então se levantar e verificar pessoalmente. Mal abriu a porta de casa, voltada para a rua, e encontrou o mesmo Körner, seu vizinho. Estava exaltado, e falou com rapidez:

– O Malschitzky… recebeu dois tiros e está quase morto!

Uma história que merece um livro

Entre as muitas lacunas ainda não preenchidas pelos historiadores de São Bento do Sul está a impressionante história do assassinato de Alberto Malschitzky, presidente da Câmara Municipal, ocorrido no trágico ano de 1897. Chamo de trágico porque não foi o único assassinato daquele ano e porque também, a julgar por alguns depoimentos, outros mais estiveram perto de acontecer. O assunto mereceu apenas alguns poucos comentários no livro de Carlos Ficker sobre a história da cidade. Mas pelo que observo nas páginas do jornal Legalidade, publicado na época pelo Dr. Felippe Maria Wolff, temos uma história que poderia muito bem render um livro ou filme.

Está na moda o lançamento de livros de história cujo título é um ano específico, acompanhado de um subtítulo enorme que tenta resumir o conteúdo e chamar a atenção para o que há de mais bizarro em nosso passado. Assim são “1808” e “1822” do Laurentino Gomes, ou ainda “1808-1834”, do Paulo Setúbal. Pois se algum desses historiadores tentasse fazer o mesmo com a história de São Bento do Sul, o livro fatalmente teria que se chamar “1897”. Faço inclusive a sugestão do subtítulo, garantindo que a história é exatamente essa:

A incrível história do alemão que enviou um telegrama, irritou um promotor de origens sombrias e acabou assassinado pelo mesmo brasileiro que havia matado por paixão e poder o seu tio, principal líder republicano da cidade, e de como um terrível plano de mortes e violências fez com que um clima de terror, medo e ameças tomasse conta de todos os seus habitantes”.

Chamaria a atenção, não? O mérito de livros como os de Laurentino Gomes é o de despertar o interesse de pessoas que naturalmente não leriam História. Acho que faria bem a São Bento algo assim. Mas enquanto não sai um livro, fiquemos com alguns spoilers revelados por aqui mesmo. Na semana que vem, aniversário da cidade, comentarei o episódio em que um cavalo foi levado preso, ainda como consequência dos episódios de 1897.

A Bem da Ordem e da Moralidade: O Assassinato de Albert Malschitzky

Albert Malschitzky era o presidente da Câmara Municipal de São Bento naquele turbulento ano de 1897. A agitação política tomava conta da cidade que, em maio, assistiu perplexa ao assassinato do comerciante e lider republicano João Filgueiras de Camargo. Malschitzky, na sua qualidade de Presidente de Câmara, considerou reprováveis algumas atitudes que o Capitão Joaquim da Silva Dias estava tendo enquanto Promotor Público de Campo Alegre. Decidiu então mandar um telegrama pedindo a sua exoneração do cargo, “a bem da ordem e da moralidade”. Essa teria sido a principal causa de seu assassinato, e ele poderia ter sido apenas o primeiro de uma série de surras e mortes que, segundo testemunhas, culminariam na tomada do poder pelo dito Capitão Joaquim da Silva Dias.

O assunto não foi, ainda, devidamente explorado pela historiografia local. Tenho consultado edições antigas do jornal Legalidade, e fico admirado com as notícias referentes aos acontecimentos daquela época. Um clima de medo dominava a cidade, a julgar pelas expressões do jornal.  Descoberto o principal suspeito, a indignação dava o tom do periódico. As acusações recaíam sobre gente graúda da região – o prefeito de Campo Alegre, Francisco Bueno Franco, era acusado de ser o braço-direito de Joaquim da Silva Dias. Encontrei até mesmo uma acusação contra meu tetravô Generoso Fragoso de Oliveira – segundo uma testemunha, Joaquim e seus homens se reuniam na casa de Generoso, em Fragosos. Os depoimentos das testemunhas, citados pelo jornal, também são bastante ricos em detalhes.

Comecei há algum tempo a escrever sobre esse assassinato, utilizando, para isso, técnicas do jornalismo literário. Esse é o primeiro capítulo da história:

Entre sete e oito horas daquele sábado, dia 21 de agosto de 1897, o cachorro de Georg Dums, imigrante de Hammern e morador da Estrada Dona Francisca, foi atingido por uma pedrada. Ninguém soube dizer quem havia sido o autor. A agressão deixou o animal muito machucado. “Não conseguiu andar por uma semana”, lamentou Dums. Era um cão “bravio e valente”, segundo o vizinho Carlos Körner. Quando algum estranho se aproximava da vizinhança, era sempre o primeiro a latir – latia antes que os cachorros de Alberto Malschitzky, também morador da Estrada Dona Francisca. E foram essas circunstâncias que chamaram a atenção de Dums e Körner no momento em que tiveram de depor.

Georg Dums já havia se recolhido ao seus aposentos na noite da quarta-feira seguinte, dia 25 de agosto. Era por volta de oito e meia da noite quando, subitamente, ouviu um barulho que parecia ser de dois tiros. Intrigado, debateu com a esposa sobre o que poderia ter sido aquilo. Decidiu então se levantar e verificar pessoalmente. Mal abriu a porta de casa, voltada para a rua, e encontrou o mesmo Körner, seu vizinho. Estava exaltado, e falou com rapidez:

– O Malschitzky… recebeu dois tiros e está quase morto!