Os “Pioneiros” de Campo Alegre

Descobri recentemente que o brasão de Campo Alegre homenageia os cinco, supostamente, pioneiros do lugar. Quando Campo Alegre começou a ser ocupada, provavelmente perto de 1870, ainda não havia sequer a cidade de São Bento, a qual ela pertenceria até se emancipar em 1897.

Como tenho pesquisado as primeiras famílias brasileiras de São Bento, e que são também as de Campo Alegre, me interessei em descobrir a quem a Prefeitura Municipal havia resolvido homenagear com o título de “pioneiro” da cidade. Foram citados os seguintes:

Francisco Bueno Franco, José Affonso Ayres Cubas, Raymundo Munhoz, Bento Martiniano de Amorim e Francisco Teixeira de Freitas.

A escolha desses nomes é muito curiosa, e no mínimo equivocada, pra não dizer preconceituosa, já que privilegia apenas as pessoas que ocuparam cargos públicos de destaque na cidade.

Todas as pessoas citadas estiveram, de fato, em Campo Alegre nos seus primeiros anos. Francisco Bueno Franco foi o próprio prefeito da cidade quando da sua instalação. Não é possível precisar uma data para a sua chegada, nem a dos demais. Imagine-se, sem qualquer respaldo documental ainda, que fosse parente do Brigadeiro Manoel de Oliveira Franco, a quem pertenciam as terras que hoje são parte de Campo Alegre. Assim sendo, é possível que a família de Bueno Franco tenha estado entre as primeiras do lugar, ainda que em 1870 seu pai apareça em registros da Lapa.

Naturalmente, ainda que isso seja verdade, Francisco Bueno Franco não veio sozinho para a região, pois mal contava com 20 anos de idade. Seu pai, Florentino Bueno Gomes, foi quem deve ter trazido toda a família – com vários membros que também poderiam ser considerados fundadores, caso tivessem uma vida pública tão destacada quanto a de Francisco. É difícil imaginar a vinda dos Bueno Franco sem a vinda de Amâncio Alves Correia, tio de Francisco Bueno, e que, apesar de ter ocupado cargos de destaque na época, acabou esquecido pela história.

José Affonso Ayres Cubas é o ancestral de todos com esse sobrenome na região. A própria tradição do sobrenome deve ter sido um critério na hora de escolher um pioneiro. “É preciso que haja um Cubas”, devem ter pensado. José Affonso foi grande fazendeiro em Campo Alegre, tendo inclusive alguns escravos. Consta que teria algumas patentes militares. Em outubro de 1871, ainda aparece batizando uma filha em São José dos Pinhais – não significa que estivesse morando lá. Começa a aparecer nos livros de São Bento do Sul em 1877. Certamente esteve entre as várias famílias que vieram nos primeiros anos de Campo Alegre, mas é impossível precisar a sua chegada.

 O caso de Raymundo Munhoz é mais curioso. Assim como os Cubas, era inadmissível que não houvesse um Munhoz entre os pioneiros. No entanto, escolheram a pessoa errada. Isso porque Raymundo José Munhoz só nasceu em São José dos Pinhais no ano de 1865 – imagino que não é muito adequado chamar de fundador alguém que chegou na região durante a infância. Seu pai, Manoel José Munhoz, talvez tenha estado na cidade, mas não foram encontrados, ainda, registros disso. Mas seu tio, Cândido José Munhoz, não só esteve como parece ter ocupado alguns cargos de destaque, como o de Juiz de Paz. Logo, seguindo a lógica, seu nome parecia mais indicado.

Bento Martiniano de Amorim ainda não teve suas origens familiares desvendadas, mas muito dificilmente estaria em Campo Alegre nos primeiros anos de povoação – a não ser que fosse criança. Seu nome aparece com frequência nos registros de cartório da cidade nos anos de 1890, quando parece ter tido destaque na vida pública, o que culminaria com sua conquista do cargo de prefeito de Campo Alegre em 1902 – uma boa razão, parece, para achar que foi pioneiro.

Francisco Teixeira de Freitas estava, de fato, numa das primeiras levas de paranaenses que povoaram Campo Alegre. Coincidentemente, também ocupou cargos públicos em São Bento do Sul e região. Era grande fazendeiro, e também possuía escravos. Parece inadmissível, no entanto, imaginar a vinda de sua família sem a vinda dos irmãos Souza – que se casaram com quatro das filhas de Francisco Teixeira de Freitas.

Da mesma forma, seria possível listar uma centena de famílias que aparecem morando em Campo Alegre antes de 1880 e que poderiam ser classificadas como “pioneiras”. É curioso que não tenham pensado em algum Fragoso, Carneiro, ou Preto para homenagear também – talvez porque, estes, não ocuparam cargos de evidência.

A lista de pioneiros apontada no brasão de Campo Alegre é inexata, imprecisa, injusta, e diz muito pouco a respeito da história da cidade.