O padre Emilio Dufner em São Bento

Publicado na Folha do Norte nos dias 21 e 28 de julho, 04, 11 e 18 de agosto. 

No início de 1944, o padre Emílio Dufner, de Florianópolis, fez uma visita paroquial a São Bento do Sul, na época ainda conhecida como Serra Alta. Essa viagem seria descrita em detalhes no jornal “O Apóstolo”, órgão da Congregação Mariana na capital do estado. A cada edição o jornal publicava uma pequena crônica de Dufner com as impressões sobre as cidades por onde passava. Em São Bento ele chegou vindo de Corupá, em uma “assombrosa subida de trem”, que lhe ofereceu panoramas “arrebatadores, belos sem igual”.

Dufner achou que iriam almoçar em Rio Vermelho, mas o trem seguiu rápido até a estação de Serra Alta, aonde chegou por volta do meio-dia. Lá o padre ficou admirado com o movimento intenso de carros e ônibus, “como se lá não houvesse racionamento de gasolina”. Aqueles ainda eram os tempos da Segunda Guerra Mundial. Foi recebido por Carlos Zipperer Sobrinho e mais dois congregados marianos. Seguiram então de carro rumo ao centro de São Bento, que deixou Dufner maravilhado: “Sobre ladeiras e vales e colinas amenas estende-se a vistosa e pitoresca cidade como um mimo raro, residências ricas, chalés, palacetes, fábricas – e este admirável conjunto encimado pela igreja católica”.

O carro parou na Praça Getúlio Vargas, onde já estavam os congregados marianos da cidade, a banda musical (certamente a Banda Treml), que, “ricamente fardada, tocava os sons mais festivos”, além do povo em geral. O padre se mostrou sem jeito com a homenagem. “Que fazer? Era preciso sair do auto e ‘aguentar’”. Vieram lhe saudar o padre Henrique Baumeister e outros padres. O cortejo subiu então até o adro da igreja, onde a banda tocou mais uma peça, e Ernesto Venera dos Santos, instrutor da Congregação e diretor do jornal “O Aço”, saudou o padre em nome dos Marianos, do povo “e até da imprensa”. Dufner agradeceu, e depois todos entraram na igreja, onde entoaram um hino.

A imagem abaixo registra um panorama da cidade alguns anos antes, em 1940.

dezembro de 40-1

Após entoarem um hino na igreja matriz, todos voltaram para as suas casas e o padre Emílio Dufner acompanhou os padres locais até a casa paroquial, onde rico almoço já estava à mesa. Era a véspera do Dia dos Reis Magos e na parte da tarde houve muitas confissões. Nas pausas, o padre aproveitou para acompanhar os preparativos para a festa do dia seguinte. E também para contemplar a cidade que se estende sob os pés da igreja. “Francamente, isto mais parece um imenso jardim ou parque com arvoredos e matozinhos em que se construíram belas habitações”. Encantava-se com o ar puro e considerava o lugar primoroso para veraneio.

Naquela noite, o padre encontrou em seu quarto de dormir, sobre a cama, dois acolchoados fofos. “Isto no alto verão… e quase me incomodei com o trabalho de tirar um, dobrá-lo e colocá-lo sobre uma cadeira. Mas isto só até certa noite… tão fria que resolvi: ‘Agora vou usar os dois acolchoados’”. Só que não encontrou mais o segundo, que devia ter sido pego para aquecer algum estudante em férias. “Agora era aguentar firme: janelas bem fechadas, puxar o acolchoado até as orelhas, mesmo como 3 anos antes em São Joaquim”. Na manhã seguinte estavam sete graus e o padre não teve coragem de fazer a barba. Só às dez horas, quando o sol havia aquecido a água na bacia, é que conseguiu fazer, “entre tremelicos”.

No dia da festa de Reis, o padre seguia da casa paroquial rumo à igreja quando foi  surpreendido por ameixas que lhe caíram na cabeça de uma galho carregado. Havia ameixeiras tão carregadas que os galhos se estendiam até o chão, para grande pena do padre. São Bento era “terra de ótimas frutas, maçãs, peras, ameixas, pêssegos, etc.”, além de “um jardim com as mais variegadas flores”, entre as quais se destacava hortênsia, a ponto de ser conhecida naquela época como a “Cidade das Hortênsias”.

A foto abaixo, disponível no Arquivo Histórico, é de 1940, alguns anos antes da vinda do padre a São Bento.

dezembro de 40

Nas duas missas da festa de reis de 1944, a igreja estava lotada. O padre Emílio Dufner destacou que “o povo de São Bento é profundamente religioso, apesar dos duros reveses de faltas de sacerdotes e mudanças de Vigários, desde uns anos”. À tarde houve uma reunião das Filhas de Maria e dos Congregados Marianos. Dufner destacou o discurso feito na ocasião por Carlos Zipperer Sobrinho, “exímio apóstolo leigo”, e presidente da Congregação. O padre também falou, e houve cânticos. Ao lado da igreja foi servida uma lauta mesa, e se ouviam poesias, palestras e modinhas como “Mandei fazer um laço…” e “Luar do Sertão”.

Na ocasião, o padre Henrique Baumeister era o vigário interino da paróquia. Algumas semanas depois da vinda de Dufner, assumiu como vigário o padre Agostinho Beckhauser. Em seu relato sobre a visita a São Bento, Dufner cita uma carta que recebeu posteriormente deste vigário. Beckhauser dizia que estavam reformando a escola e construindo o salão paroquial. No dia 6 de fevereiro havia sido benzida a pedra fundamental e depois houve uma festa que rendeu bem. Esperava ainda que em breve fosse construída a sede da Congregação Mariana e citava que 10 alunos de São Bento estavam no Seminário de Corupá.

A pedido de Dufner, Carlos Zipperer Sobrinho e Ernesto Venera dos Santos enviaram a ele “o que há de melhor em retratos de S. Bento”, mas em todos eles só se via uma parte da cidade. “A cidade é tão pitorescamente engatada em vales e encostas e colinas, que não há nenhum ponto de onde pudesse pegar uma vista geral; só mesmo dum avião”. Recomendava então que, quem quisesse ver, que fosse até a cidade.

O padre também destacava a indústria variada e intensa de São Bento, com fábricas de cadarços, de pentes, de escovas, de artefatos de nó de pinho, de queijo, a “Matex” de cafeína, serrarias, de pasta mecânica, olarias, etc.

A imagem abaixo é de 1941, três anos antes da vinda do padre Emilio Dufner a São Bento.

1941

Em sua visita a São Bento, o padre Emílio Dufner visitou duas fábricas. Primeiro a de artefatos de madeira de Carlos Zipperer Sobrinho, que, para o padre, não era uma fábrica, mas “um conjunto de 8 ou mais, e cada uma especializada”. Ele destacou que vários maquinismos foram invenções do proprietário, como uma máquina para fazer contas de rosário. Disse que muito apreciou a arte de madeiras embutidas. Viu as folhas de madeiras de cores naturais sempre diferentes, “com que os artistas fabricam painéis sem uma gota de tinta”. E contou a história de uma caixinha de 12 diferentes madeiras embutidas que havia recebido há uns anos.

A segunda fábrica que visitou foi a de chocolate de Buschle Irmãos. Na verdade, logo que seu companheiro em São Bento, o irmão Erico Ahler, lhe falou em “fábrica de chocolates”, o padre disse logo que “Ah! Esta eu quero ver”. Dufner confessou que desde a infância tem um “fraco” pelo chocolate. À entrada da fábrica, o padre foi saudado por Teodoro Buschle, que o levou pelas muitas repartições, em pleno funcionamento. Mostrou várias máquinas, as massas líquidas e os aparelhos onde os chocolates saíam na sua forma definitiva. Os pedaços com alguma falha eram colocados em uma lata. Dufner olhou com tanto interesse para essa lata que Buschle atendeu aos seus desejos: “Experimente… à vontade!”.

Tanto na fábrica de Buschle como na de Zipperer, os operários causaram muito boa impressão no padre, por sua atitude simples e afável. Para ele, isso se explicava em parte pelos patrões, que, desde antes da lei do Salário Mínimo e do Salário Familiar, cuidavam para que cada empregado recebesse um salário justo. Na despedida, Buschle ofereceu como lembrança um respeitável pacote de chocolates ao padre e ao irmão Erico. Como fez voto de pobreza, o padre só pôde se deliciar depois de pedir autorização ao padre ministro, já em Florianópolis.

A foto abaixo é de junho de 1943, meio ano antes da visita de Dufner a São Bento.

1943

Ao saborear os chocolates feitos em São Bento, o padre Emílio Dufner estranhava que em Florianópolis esses artigos sempre tinham os rótulos de fábricas de Porto Alegre, São Paulo ou Rio de Janeiro. “Temos em nossa terra catarinense, além de outras, a fábrica de primorosos chocolates, dos irmãos Buschle, em Serra Alta, onde se podem adquirir os melhores artigos, e rapidamente e de certo mais barato”. Como dito, naquele ano de 1944 a cidade de São Bento ainda era conhecida como Serra Alta.

Em carta a Dufner, o vigário Luis Gilg, de Campo Alegre, o convidava para participar de uma solenidade na noite de 7 de janeiro. Acompanhado do padre Baumeister, do padre Clemente Dingler e de Carlos Zipperer Sobrinho, Dufner seguiu então para a cidade vizinha. Após uma breve bênção na matriz, foram ao salão de teatro, onde assistiram peças que comoveram o padre. Estavam presentes o povo e diversas autoridades da cidade, a quem o padre fez uma palestra. No relato dessa viagem, Dufner destacou o “assombroso trabalho apostólico” de Luiz Gilg em Campo Alegre e ressaltou a sua atuação missionária na África.

Gilg queria que Dufner ficasse também para a missa do dia seguinte, mas o padre não havia trazido o breviário, e nem apetrechos para passar a noite (que, aliás, foi de muito frio). Pediu então ao padre Clemente que ficasse em seu lugar e retornou a São Bento.

Despediu-se de São Bento no dia 9, “com a alma dominada pela gratidão e admiração”. Contemplou, já de dentro de um carro, pela última vez o que chamou de “cidade-jardim” e “abençoado recanto catarinense”. Pontualmente ao meio dia, o trem entrou na estação de Serra Alta. Dufner deu um último adeus aos que o acompanharam até lá e, junto com o padre Clemente, embarcou no vagão. Dentro de poucos minutos eles já estariam em Rio Negrinho.

A imagem abaixo, disponível no Arquivo Histórico, foi tirada em dezembro de 1940, pouco mais de três anos da visita do padre Emilio Dufner a São Bento do Sul.

dezembro de 40-2